Levantamento mostra que a água de pelo menos 763 cidades brasileiras está contaminada com uma série de substâncias químicas, radioativas, agrotóxicas e outras perigosas para a saúde
Você sabia que a água da sua torneira pode ser contaminada com agrotóxicos, substâncias químicas, radioativas e diversas outras perigosas para a sua saúde?
É o que indicam as análises realizadas pelos municípios e cadastradas no sistema do Ministério da Saúde brasileiro, o Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano).
De acordo com a legislação, as concessionárias de saneamento que abastecem as cidades devem testar a água que tratam e apresentar esses resultados às autoridades através do Sisagua. Nem todas cumprem essa obrigação, no entanto, enquanto outras apresentam testes fora do padrão de potabilidade e sequer alertam a população.
Um levantamento do Repórter Brasil identificou que a água de pelo menos 763 cidades continha substâncias acima dos níveis seguros permitidos por lei, substâncias essas cujo consumo diário pode aumentar o risco de diversas doenças, incluindo câncer e mutações genéticas.
Saiba mais sobre a metodologia desse levantamento e confira as informações disponíveis sobre o seu município:
Mapa da Água: o atlas da contaminação da água
Em teoria, as informações do Sisagua podem ser consultadas por qualquer pessoa, mas são geralmente muito técnicas, o que dificulta sua compreensão. Para interpretar esses resultados e criar um Mapa da Água, o portal Repórter Brasil pediu a ajuda de profissionais e especialistas do ramo.
No geral, cada país define o valor máximo permitido de diversas substâncias na sua água. Esses limites definem a sua potabilidade: quando a água contém substâncias fora do padrão, é considerada imprópria para o consumo humano (o que inclui o contato com ela mesmo em pias e chuveiros).
Foi isso que aconteceu em diversos municípios brasileiros, os quais tiveram ao menos um teste com substâncias acima do limite permitido por lei entre 2018 e 2020. Todas as substâncias destacadas pelo mapa oferecem algum risco à saúde humana quando acima da concentração máxima permitida, sendo que este risco varia de acordo com a substância e com o número de vezes que ela foi consumida ao longo do tempo.
Para facilitar o entendimento da gravidade dos casos, o Repórter Brasil as dividiu em dois grupos utilizando parâmetros do próprio Ministério da Saúde e de órgãos como a OMS (Organização Mundial da Saúde): “substâncias que oferecem maior risco de doenças crônicas, como câncer” e “substâncias que geram riscos à saúde”.
O primeiro grupo inclui as substâncias que têm maior evidência de risco à saúde e que são listadas como “reconhecidamente” ou “provavelmente” cancerígenas, disruptoras endócrinas (que desencadeiam problemas hormonais) ou causadoras de mutação genética. Esse grupo representa 37% das substâncias presentes no mapa e aparece em vermelho mais escuro.
O segundo grupo reúne as demais substâncias, classificadas como "possivelmente cancerígenas", ou que aumentam o risco de doenças renais, cardíacas, respiratórias e de alterações no sistema nervoso central e periférico. Elas aparecem em vermelho mais claro.
Antes de checar sua cidade, vale uma observação: há diferentes estações de tratamento em cada município. Um resultado acima do limite em uma das estações não significa necessariamente que a água de toda a cidade esteja contaminada. No entanto, a população precisa ser alertada de qualquer forma, já que as pessoas circulam e um local contaminado pode afetar habitantes de diferentes partes do município.
E a água da sua cidade, é contaminada?
Clique aqui e veja se há substâncias fora do padrão na água do seu município e outras cidades brasileiras. O programa funciona de forma muito simples: é só digitar o nome desejado no campo superior direito e em seguida clicar na localização amarela encontrada no mapa.
Quais são as piores cidades do Brasil?
De forma geral, substâncias químicas e radioativas foram encontradas acima do limite permitido em um a cada quatro municípios brasileiros, considerando apenas aqueles que fizeram os testes.
Algumas cidades tiveram a mesma substância acima do limite nos três anos consecutivos analisados (2018, 2019 e 2020), como São Paulo (13 testes acima do limite), Florianópolis (26) e Guarulhos (11).
Esses tipos de substância já foram associados ao câncer, mutações genéticas e diversos outros problemas de saúde pelos mais respeitados órgãos, como a OMS e as agências regulatórias da União Europeia, Estados Unidos, Canadá e Austrália.
Alguns especialistas brasileiros consideram os dados ainda mais perturbantes se levarmos em consideração que as doses aceitas dessas substâncias no Brasil já são bem mais altas do que as permitidas na União Europeia, por exemplo.
As substâncias mais encontradas na água contaminada
As maiores responsáveis pela contaminação no Brasil são as substâncias geradas pelo próprio tratamento da água. O cloro, muito comum para matar bactérias, pode interagir com elementos como algas, esgoto ou agrotóxicos, criando os chamados "subprodutos da desinfecção". 493 cidades, ou 21% das que testaram, têm substâncias deste tipo acima do limite permitido.
É claro que a água não deve deixar de ser tratada. O que está acontecendo é que essas cidades estão gerando riscos químicos para se livrar de riscos biológicos. Ou seja, estão apenas trocando um risco pelo outro, o que não é admissível.
O Mapa da Água destaca também algumas das atividades econômicas relacionadas a substâncias que aparecem com frequência fora do padrão. Por exemplo, a terceira substância que mais vezes excedeu o limite foi o nitrato, comumente usado na fabricação de fertilizantes, conservantes de alimentos, explosivos e medicamentos.
Substâncias radioativas aparecem acima do limite em 22 municípios brasileiros, a maioria em Minas Gerais. Esse tipo de produto pode aparecer na água tanto devido a resíduos da indústria quanto de forma natural, devido à presença de minérios como urânio.
Independentemente, as concessionárias deveriam dobrar sua preocupação nesses casos, pois tais substâncias intoxicam facilmente por ingestão e inalação. Infelizmente, porém, elas são as menos testadas: somente 2% das análises feitas entre 2018 e 2020 contêm informações sobre elas.
Provavelmente, isso acontece porque é mais fácil ignorá-las do que lidar com elas. De acordo com os especialistas, o tratamento dessas substâncias tem um custo tão alto que a solução mais viável muitas vezes é mudar a fonte de abastecimento.
Isso também ocorre com diversos agrotóxicos sem tratamento acessível. 50 municípios brasileiros apresentam essas substâncias acima do limite, sendo que 21 delas são tão perigosas à saúde que foram proibidas na União Europeia, e 5 são tão resistentes que nunca se degradam. O Paraná é o estado campeão de resultados, com 47 testes (0,04% do total) fora do padrão. São Paulo tem 15 e Goiás 11.
De olho no futuro: a situação é tão ruim assim?
Percentualmente, a impressão que dá é que poucas cidades brasileiras são afetadas. Mas isso não significa que o problema não seja grande. Qualquer teste acima do limite é um sinal de alerta importante que, segundo a portaria de potabilidade da água brasileira, deveria desencadear uma série de ações, como a comunicação à população, o aumento da frequência de testes e, o mais importante, a busca para reverter o problema.
Nada disso parece ter sido feito, especialmente a comunicação à população. Apesar de os testes serem financiados com dinheiro público e de quem paga conta de água, seus resultados não foram informados aos principais interessados. A Sabesp, por exemplo, responsável pela água de mais de 370 cidades paulistas, divulga apenas o que chama de "parâmetros básicos", como cor, turbidez e coliformes fecais.
Nos Estados Unidos e na União Europeia, há maior transparência. Na Dinamarca, por exemplo, se contaminantes são descobertos na água, uma recomendação para fervê-la é enviada aos consumidores por e-mail, SMS, rádio etc. Avisos assim deveriam ter ocorrido nos 763 municípios brasileiros com testes fora do padrão.
Se há problemas até nas cidades que mais testam, como São Paulo, talvez pior ainda seja o caso de quem sequer enviou informações ao Sisagua. Embora seja obrigatório, quase metade dos municípios (48%) não registraram seus testes. Houve situações em que nem os fiscais tiveram acesso aos dados.
Por todas essas questões importantes levantadas, o Mapa da Água foi amplamente divulgado pela mídia, mas acarretou poucas ações por parte das concessionárias. O que fazer, então?
Para todos os cidadãos afetados, o ideal é ser cauteloso e permanecer cobrando as empresas de abastecimento e o governo por mais transparência, fiscalização e zelo com a saúde humana. Já para os setores industriais e corporativos que precisam de água com garantia de qualidade, uma solução pode ser migrar para um sistema de abastecimento alternativo, com mais segurança e menos desperdício.
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